Depois do post em que falamos sobre o vitiligo (aqui) recebi vários e-mails de agradecimento e elogios ao tema. Obrigada a todas que escreveram e mesmo não sendo “ninguém” para dar algum conselho, espero ter ajudado algumas pessoas que sofrem do mesmo problema que eu.
Quando fiz o post pedindo que vocês leitores sugerissem os temas para a Dra, não imaginava a quantidade de meninas que me escreveriam falando sobre problemas relacionados ao peso. Umas sofrendo horrores por se acharem gordinhas e excluídas, outras com transtornos alimentares gravíssimos e outras que estavam super confortáveis com seu peso, não queriam mudar, mas ao meso tempo não sabiam lidar com a pressão dos familiares.
Então aí vai o segundo post com um texto ótimo da Dra Joana Novaes sobre mais um tema complicado que várias meninas pediram que fosse abordado nesta seção. Não tenho nenhum relato pessoal para acrescentar ao post, mas tenho várias amigas, familiares e conhecidos que passaram por problemas relacionados ao peso e sei bem como pode ser complicado para a pessoa.
Espero que o texto possa ajudar leitores passam por situações semelhantes, mas e principalmente ajude abrir os olhos de quem tem preconceito em relação ao próximo.
Vale quanto pesa” – por Joana Novaes
“Vou lhe dar uma pequena informação de bastidores sobre Deus. Deus gosta de assistir. É um gozador. Pense nisso. Ele dá instintos ao homem. Dá esse dom extraordinário e então o que Ele faz, juro, para seu próprio divertimento? Estabelece as regras em sentido contrário. É a ‘pegadinha’ do século. Olhe, mas não ponha a mão! Toque, mas não experimente! Prove, mas não engula! E, enquanto você fica pulando de um pé para o outro, o que ele faz? Fica rindo! Fica disfarçando, com se não tivesse nada a ver com isso. É um sádico! Venerar isso? NUNCA!” – ( trecho de um diálogo do filme “O advogado do Diabo” tradução livre, não literal e resumida – grifo nosso)
O fragmento acima não foi escolhido aleatoriamente como epígrafe para introduzir esse artigo, que tem como objetivo discorrer, ainda que brevemente, sobre a temática dos Transtornos Alimentares e a sua relação com a ditadura estética da magreza. Ao invés de Deus como uma entidade, que tal então conferir todo esse poder à chamada sociedade de consumo, cuja religião é o culto ao corpo. Caracterizada pelas patologias narcísicas e pelas compulsões, é também chamada de “cultura de um eu inflado ou obeso” Nesse cenário, acho a bulimia, com seus métodos compensatórios, a melhor metáfora da cultura atual.
Uma sociedade que nos incita a consumir vorazmente, mas que, paradoxalmente, nos ensina que o valor máximo reside na capacidade individual de privação, ou ainda, na capacidade do sujeito livrar-se de todos os excessos contemporâneos. O mérito dessa privação é medido pela visibilidade que esse corpo alcança – expressão máxima do sucesso e da mobilidade social na atualidade. Numa cultura onde o corpo não serve apenas de cartão de visitas, mas, sobretudo, informa sobre o caráter do indivíduo, nada mais natural que uma exigência severa em relação aos padrões alimentares e ao protocolo médico e esportivo ao qual o mesmo deve estar submetido.
Como bem nos lembra Levi-Strauss, o corpo é a melhor ferramenta para se aferir o grau de sofisticação de uma cultura. No contexto por nós aqui abordado, as práticas de regulação corporal consistem na engrenagem necessária para a boa manutenção do que se tornou o lócus privilegiado de investimento na chamada contemporaneidade. Ter um corpo jovem, magro e ágil, está na ordem do dia, e não cumprir com essa demanda significa burlar as normas atuais que definem o bem-viver, em outras palavras – atender a esses imperativos significa ser detentor de um capital valiosíssimo! Mas como conviver, qual o preço pago e os efeitos dessa ditadura estética da magreza no sujeito?
Para atender aos ditames estéticos vigentes, um número cada vez maior de mulheres adoece, reagindo de forma compulsiva, ao massacre de imagens que parecem apontar para o que convencionou-se chamar do atual estado de lipofobia (horror à gordura), do qual somos todos testemunhas! Para onde se olhe é possível avistar a perfeição das formas anatômicas, um universo de delícias alcançadas através da aquisição de inúmeros bens de consumo de luxo e alto padrão, paraíso terrestre ao qual os que tem os mais belos corpos terão passe livre para festas incríveis, senha de acesso a um vida divertida e glamorosa. Nesse universo paralelo, um mundo exclusivo, os gordos não estão representados, quer seja nos editoriais das revistas de moda que nos apresentam imagens de beldades emagrecidas, quase sempre muito distantes da compleição física da mulher que encontramos nas ruas, quer seja nos programas televisivos que nos massificam com imagens de celebridades se exercitando. Em igual proporção estão contemplados os anunciantes, presentes na mídia impressa em geral, que invadem o nosso campo visual com propagandas de restaurantes com as mais diversas culinárias e sabores e, paradoxalmente, nos apresentam inúmeras técnicas e/ou práticas corporais para eliminar a gordura adquirida. Tudo isso na forma de: spas, clínicas estéticas, cremes redutores, aparelhos e academias de ginástica…..
É igualmente sintomático, do atual estado de corpolatria, o olhar social sempre compadecido e piedoso em relação à anorexia. Em nossa cultura, a anoréxica encarna a imagem da fragilidade, bem como daquela que levou ao paroxismo a disciplina de uma alimentação vigiada. Aos gordos (TCAP), parece caber o lugar, inequívoco, da transgressão, posto que no imaginário social são criminalizados sem culpa! Curioso o fato de ambas as patologias estarem agrupadas no âmbito das compulsões, ou seja, em tese, suspender a alimentação ou comer em demasia leva à morte. Portanto, não se trata aqui de um mero ato devontade – condição que define as compulsões. O sujeito perde, ainda que temporariamente, o controle sobre o próprio corpo e suas ações.
Porque será então, que tendemos a uma avaliação moral depreciativa dos gordos, como se responsáveis fossem pela própria condição e, paralelamente, eximimos a anoréxica da responsabilização/implicação com seu sintoma?
Não se trata aqui de levantar uma bandeira em relação à obesidade, ciente que estamos dos inúmeros comprometimentos, prejuízos e riscos clínicos que essa condição acarreta. Tampouco excluir o enorme sofrimento psíquico inerente a um distúrbio psiquiátrico da ordem da anorexia. Entretanto, utilizamos esse espaço para denunciar o preconceito socialmente validado em relação aos gordos, que, por conseguinte, transformou a gordura na forma mais representativa de feiúra da atualidade.Por: Joana de Vilhena Novaes, Psicanalista, Pós-doutora em Psicologia Social; Dra em Psicologia Clínica e Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza – NDB da PUC-Rio.
Para quem está de fora, vamos dar um basta no preconceito. Para quem está “dentro” é importante saber que há situações que se tornam complicadas de resolvermos sozinhos e as vezes pedir ajuda de um profissional (seja ele um psicólogo, nutricionista ou endocrinologista) é imprescindível.
E por mais que seja difícil, temos que nos amar. Procurar melhorar sempre, nos preocuparmos com nossa saúde, mas nunca deixarmos de nos amar muuuuuito e mais do que tudo nesta vida.